segunda-feira, maio 25

Fartos e felizes

         Nada poderia retirar daquela noite a faceta normal com que os moradores de São José se acostumaram a deitar sob suas camas, com certeza. Porém, a aparência negra do céu, as nuvens e mesmo a amena temperatura combinadas com um vento teimoso e gelado não pareciam ter qualquer relação com um grupo de jovens que, mesmo com todas as barreiras naturais impostas ao estarem ali, continuariam com seu ritual de união e passagem para outro estado, tendo como meio de transporte a bebida (de qualquer qualidade, apenas importando o efeito desta). Defendiam aquele hábito de ficarem acordados até tarde, bebendo e discutindo sobre banalidades típicas de adolescentes ali numa pracinha ampla e deserta com forças que talvez se igualassem às empregadas por Ulisses, quando fez viagem de volta para terra natal, não importassem os perigos por que iria percorrer.

         Mas por aí acabavam as coincidências com o astuto herói, porque nenhum dos modernos jovens se disporia a ser tentado pelo cântico divino de sereias e teria a coragem e força de vontade necessárias para do mastro não sair, não ser perdidamente levado por aquele sobre humana beleza. O impulsionador deles era justamente o contrário: não queriam sair do torpor pelo qual seus ainda novos corpos e cérebros estavam inseridos, amarrar-se-iam para que nenhum anjo, demônio ou ser que fosse ousar retirá-los dali.

         A letargia e felicidade só iriam se esvair no momento em que o efeito do álcool já tivesse por fim ido; ninguém ali era capaz de ser alegre e resolvido com a vida se não com a ajuda de entorpecentes. A cena lembrava o momento em que as crianças se vêem obrigadas a recolher os brinquedos e obedecer às ordens impostas por seus responsáveis: tão donos de si e das ações para com seus brinquedos, e agora reduzidos ao cumprimento de chatices ordenadas pela mãe. As horas para acabar com as tarefas chatas e retomar as brincadeiras eram contadas na fração de segundos, dependendo do desespero por divertimento que a criança tinha.

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